sábado, março 31, 2012

A Leitura dos Desafios



Se há vocábulo cujas significativas e sugestivas aplicações e integrações expressivas estejam muito presentes no título de muitas obras ensaísticas ou de reflexão crítica e sistemática, tal é certamente o caso da palavra desafio.

De facto, deixando de parte algumas letraduras mais ou menos baratas ou vulgares, desde a essencial e relevante pertença aos mais fundamentais domínios conceptuais da Filosofia, da Sociologia, da Historiografia, da Política, da Economia, etc., até aos mais circunscritos âmbitos do seu uso no panfletarismo partidário, no colunismo opinativo ou naquele tipo de jornalismo que Maupassant classificou como próprio de alguns “retalhistas da comédia humana” (e também da sua reversa e trágica existência…) –, não há dúvida que o emprego daquela voz pode ser encontrado em múltiplos registos discursivos e argumentativos sempre em voga e mediática cena…

– E isto para já nem falarmos das regionais cantigas ao desafio, de tão grande tradição no nosso popular cultivo de artes de improviso e disputa de razões versejadas, quando não, em versão prosaica daquelas (embora tantas vezes em mal rimadas ou menos arrimadas formas), em certos debates e bate-papos que animam, à falta de melhor, a nossa estafada atividade político-partidária, a par de pobres arranjos noticiaristas que sobre tudo isso vão sendo taticamente congeminados aqui ao lado de tantos dos mais incríveis painéis e live-talks televisivos que quotidianamente invadem as nossas pantalhas, iludindo as consciências e escamoteando a verdade nua e crua da nossa realidade vivida!

Todavia, por entre tanta literatura e doutrinação política, também produzida nos Açores de há umas décadas para cá, talvez valha a pena relembrar que alguma dela contém, tanto na intitulada fraseologia como nos seus pertinentes conteúdos, precisamente aquele termo desafio

– Talvez por isso, como ir-se-á ver por estes dias, a sua releitura atualizada seja novamente urgente, para repouso de alguns espíritos inquietos e desassossego de muitos mais!
_________________________________
Publicado em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 31.03.2012),
"Correio dos Açores" (Ponta Delgada, 01.04.2012),

sexta-feira, março 23, 2012

A Diplomacia dos Interesses



O anúncio, agora tornado público, de que nos já bem próximos meses de maio e junho irão prosseguir os contactos trilaterais, contratos militares e negociações diplomáticas entre Portugal, os EUA e a NATO, com vista à reperspectivação efetiva e à redefinição logística e estratégica da presença militar aliada – mas estrangeira – na Base portuguesa das Lajes, não deixou nem deverá poder deixar de continuar a merecer o conveniente, necessário e competente acompanhamento possível (e nacionalmente permitido…) por parte da Região Autónoma dos Açores e dos seus órgãos político-institucionais, sociais e constitucionalmente representativos.

– Não sendo a questão em si propriamente inédita nem sequer imprevisível – e exatamente por isso, pelo menos e desta feita de há um certo tempo para cá… – é que, uma vez mais, o posicionamento desintegrado e descoordenado açoriano tem merecido entre nós algumas críticas severas, muitas delas com evidente fundamento na realidade dos factos, atos e omissões (do País e dos Açores...) nesta importante matéria!

Porém e assim talvez conviesse relembrar que, faz agora precisamente um ano, o anterior ministro português da Defesa (Augusto Santos Silva) haveria de deslocar-se aos EUA precisamente para “discussões” sobre o comando da NATO em Oeiras, a Base das Lajes e participação de firmas lusas em concursos militares norte-americanos, estando igualmente então em agenda a forma como ia ser feito “o alargamento e reparação da pista da Base das Lajes”, e a tentativa de urdir que empresas portuguesas, “do setor de Segurança e Defesa”, conseguissem “mais informação para participar em concursos” nos Estados Unidos!

E isto acontecia quase em coincidência com os suportes logísticos de projeção, abastecimento e retroação de força envolvendo as Lajes e planeados para a intervenção aliada na Líbia, de acordo com a estratégia da Operation Unified Protector, decorrente da Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e dos quais, por exemplo, é conhecido e foi muito paradigmaticamente elogiado o apoio local (alojamento de tripulações e segurança) prestados à aeronave E-3 Sentry, sedeada na Base Aérea de Tinker (552nd Air Control Wing), em regresso a casa (no Oklahoma), via Lajes, após serviço de apoio prestado a missões da NATO…

– Ora é por estas e por outras do mesmo jaez que os Açores não podem deixar de permanecer informada e competentemente acompanhantes de todo este complexo processo negocial português da Base das Lajes, à luz do presente mas sem esquecer as experiências passadas, e também sem confundir os interesses estratégico-militares com as vertentes diplomáticas, económico-financeiras e sócio-jurídicas das diversas (e amiúde adversas…) partes aqui envolvidas!
___________________
Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 25.03.2012),
RTP-A: http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10,
Azores Digital: http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2211&tipo=col

e Os Sinais da Escrita: http://sinaisdaescrita.blogspot.pt/.
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 24.03.2012).

sexta-feira, março 16, 2012

Memória do Grupo de Genebra



Lançado já em diversos locais do Continente e felizmente apresentado na passada sexta-feira, dia 16 de março, nos Açores (Ponta Delgada), o livro Pátria Utópica – O grupo de Genebra revisitado, da autoria conjunta de Ana Benavente, António Barreto, José Medeiros Ferreira e Valentim Alexandre é uma sugestiva rememoração histórica, pessoal e crítica da experiência de partida e regresso a Portugal dos seus autores, naquilo que neles e com eles (então jovens socialistas revolucionários) configurou um misto de exílio político e de experiência de emigração, resistência, reflexão e formação universitária, durante a sua permanência, nas décadas de 60 e 70, na Suiça, onde – entre outros projetos e ações – também mantiveram a revista “Polémica” (cujo primeiro número sairia em 21 de setembro de 1970 e que, nas palavras de Medeiros Ferreira era “Inovadora em termos de pensamento, representava uma esquerda democrática, cortou com as análises estabelecidas e teve influência, pois era distribuída e lida clandestinamente em Portugal”) …

– Organizado sob a forma de um espécie de recolha de depoimentos – que começaram a ser elaborados, em 2009, a partir de uma propiciatória revisitação induzida através da retoma de encontros, diálogos e discussões regulares entre todos eles, e da qual resultou a passagem a escrita narrativa dos respetivos percursos de “rebeldia e irreverência”, como os classificou Eduardo Lourenço numa das sessões de apresentação da obra –, Pátria Utópica permite-nos seguir os caminhos trilhados e hoje reperspetivados por cada um dos “exilados”, dando-nos assim e em simultâneo um quadro-síntese e paradigmático de alguns dos motivos, dramas e estigmas que balizavam a vida do nosso País e os horizontes individuais de grande parte da juventude portuguesa, em especial da classe estudantil universitária, politicamente comprometida e ativista, naqueles “tempos difíceis” da Ditadura.

Por outro lado, sendo a obra um repositório do passado da Pátria (ou, diga-se, de certo modo, de uma ideia ou ideal dela para nós, Portugueses…) – vistos atualmente, “depois de décadas de apagamento da memória histórica, [em que] é de difícil inteligência pelo comum dos mortais o mal-estar da juventude portuguesa nos anos 60”, nomeadamente com a “ameaça da mobilização para a guerra colonial [que] pairava como uma ave de mau auspício sobre os destinos individuais” –, contém ainda o mesmo livro uma excecional carga utópica e crítica (ou, diga-se novamente, também aqui, de certo modo uma crítica da própria utopia passada à luz da sua sombra nos desencantos do presente…), como aliás tem sido muito percetível e bem denunciado nas subsequentes leituras e debates que os próprios autores – especialmente os meus antigos camaradas e militantes no PS, Medeiros Ferreira (historiador), António Barreto (sociólogo) e Eurico Figueiredo (psiquiatra) – sobre a sua e afinal nossa Pátria Utópica tem sempre retomado, de um ou de outro modo…

– Todavia e curiosamente, dois dos membros do agora bem lembrado Grupo de Genebra mantiveram (e mantém ainda) com os Açores uma natural ou estreita relação, a que já me referi em anteriores ocasiões, mas cuja recordação, mais pessoal, no âmbito da nossa então comum pertença ao Partido Socialista hei de saudosamente tornar a evocar em futura crónica.
_____________________________________
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 17.03.2012).
Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 18.03.2012),

sábado, março 10, 2012

As (contra)partidas das Lajes


A história da Base das Lajes – desde a sua instalação e usos pelas forças aéreas inglesas e americanas, e pelas Forças Armadas Portuguesas, desde a já distante época da II Guerra Mundial, passando por alguns nucleares marcos de projeção de força militar e bélica transcontinental, até à presente conjuntura mundial, nacional e regional – tem sido feita de uma série de factos político-militares, diplomáticos, geoestratégicos e aeronáuticos; de múltiplas implicações e variáveis societárias, económicas, laborais e socioculturais, e de variadas narrativas e representações configuradoras de memórias, discursos e imaginários institucionais e pessoais que, no respetivo conjunto único, constituem parte importante da História dos Açores e da História de Portugal, no contexto, naturalmente mais amplo, da História da Europa, das Relações Transatlânticas e da Geopolítica Global do Século XX e início do corrente.


Ora nas últimas semanas a Base das Lajes voltou a estar na ribalta das notícias regionais e nacionais, como é sabido, por causa da pretensamente discreta, cabisbaixa ou sorrateira deslocação de uma delegação ministerial lisboeta aos EUA, ao que parece, entre outras coisas, para começar a discutir (?) alguns dossiers bilaterais relacionados com a continuação da presença norte-americana na ilha Terceira, nomeadamente no que diz respeito às possíveis contrapartidas (a par das pequenas e grandes partidas…) para o nosso País desse estacionamento estrangeiro (conquanto amigo e aliado) em solo insular autónomo mas integrante de Portugal (Nação com soberania própria, apesar de mitigada, e Estado, que se saiba rigorosamente e apesar de tudo, ainda não pária nem falhado, apesar de dependente…).

– E foi assim que assistimos também, sintomaticamente em leituras divergentes, a opiniões sobre a importância e/ou o desinvestimento da relevância geoestratégica, técnico-militar, político-diplomática e económica da Base das Lajes, mormente por relação às ratoeiras do famigerado Acordo de 95 e à redefinição das áreas de hegemonia mundial das potências dominantes, emergentes ou regressivas

Porém, pena é que as mais competentes vozes e instituições açorianas nesta matéria a pouco ou nada, até hoje, tenham sido chamadas, neste baralho de intenções e interesses, camuflagem negocial e prestidigitação de armas e outros proventos…

– E tudo, em grande parte, de novo e infelizmente, por culpa nossa!
____________________
As (contra)partidas) das Lajes:
Em “Diário Insular” Angra do Heroísmo, 10.03.2012),
“Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 11.03.2012),
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2205&tipo=col,
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=25807&visual=9&layout=17&tm=41,
e http://sinaisdaescrita.blogspot.com/