sábado, dezembro 29, 2012

Um Final de Ciclo




Coincidindo com o final deste ano de 2012, as notícias e informações correntes sobre a Base das Lajes sinalizam cada vez mais também um outro encerrar de ciclo, ou fim de era, já não apenas no calendário periódico das nossas rotineiras cronologias formais – se é que algumas desse género, e somente assim de modo abstracto, alguma vez terão existido na contagem civilizacional, cultural e humanamente significante dos tempos e do Tempo… –, quanto, muito para além delas, assinalam algo de muito mais profundo, relevante e crítico na própria génese progressiva da História e dos seus ciclos conjunturalmente estruturantes, – a saber, no nosso caso e em primeira ou imediata proximidade, da História Regional e Local, conquanto na esfera mais ampla da História de Portugal e da História do Mundo, com destaque para o Ocidente e para o Atlântico.

– Ora é aqui mesmo que se tem revelado precisamente em toda a sua evidente e intrínseca limitação temática, precariedade metodológica, fragilidade científica e irrelevância político-institucional a maior parte dos discursos, posicionamentos e abordagens que sobre esta realidade una e compósita problemática tem sido produzidos, desde há sete décadas (cerca de 1943 até hoje…) que agora se fecham, sobre e com a Base das Lajes!

É claro que esta percepção não desconhece nem subestima em nada a grande qualidade de alguns estudos (regionais, nacionais e internacionais) sólidos, documentados, críticos e prospectivos, e bem assim a razoável quantidade dos montes e pilhas de páginas, películas e retóricas mais ou menos mediocremente oficiosas (quando não oficiais!), tidas e acolhidas como coisa valiosa e até digna da melhor mediatização bombástica, especulativa ou apenas de pura diversão passageira (à falta de melhor e maior solicitude para tudo aquilo que verdadeiramente interessaria pensar, reflectir e levar a justa consequência).

– Haveremos de voltar a este assunto no Ano Novo que aí vem, batidas quase as aziagas e desoladoras horas de um futuro já próximo, quando tantos açorianos da Terceira vão tornar a ficar condenados, talvez como no Corsário se prenunciava, “não já ‘a ver navios’, como os seus antepassados do alto da Serra da Praia espreitando o ilhéu do Espartel, sem outro horizonte aéreo que não fosse o de milhafres e pombos bravos, mas a ver aviões que nunca mais [os] hão-de levar aonde os seus sonhos o deitavam”…
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Publicado em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2320&tipo=col;
RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 30.12.2012).
Outra versão: Jornal “Diário Insular”, Angra do Heroísmo, 29.12.2012.


sexta-feira, dezembro 21, 2012



Uma Estrela de Redenção




Presença basilar, fortemente simbólica e significativa no Calendário festivo, religioso e comemorativo dos Povos, Civilizações e Culturas da Era Cristã – embora provavelmente com raízes na festa pagã do renascimento cíclico do “Sol Invicto” (isto é, do culto da vitória cósmica do Sol sobre as Trevas no Solstício de Inverno) –, desde sempre, ou pelo menos bastante remotamente, todos os anos por esta altura, e sempre cada vez mais em crescente dimensão planetária, aos mais diversos níveis e nos mais variados campos da existência humana, constituiu o Natal motivo para variadas celebrações, evocações e inspiração para a criação de categorias de Pensamento, concretização de Acções e figurações de Utopia ou Imaginação.

Ora este nosso Natal,

– para além das tradicionais vivências profanas ou de marcado cunho mercantilizante (bem enxutas aliás, estas, devido aos flagelos da austeridade e aos cautelares medos e crises das anunciadas falências de trabalho, saúde e economia que já dobraram em Portugal – para não falarmos do Terceiro Mundo ali e aqui cada vez mais vizinho e batendo à nossa porta… – na esquina alienada do suportável com dignidade, ou, até, do mínimo de possibilidade de subsistência e de existência humama!);

– para além das comemorações familiares, socioculturais, artísticas e musicais que dão alguma graça, brilho, inocência ou enlevo à alma, aos olhos e aos ouvidos das crianças e dos adultos comovidos ainda pela saudade do Passado ou pela esperança do Futuro;

– para além, enfim, das celebrações religiosas ou propriamente litúrgicas, ou das encenadas representações da vária etnografia da Natividade de Jesus, em manjedoura deitado junto a Maria e José, entre pastores, anjos, simbologias animais e ecológicas, bucólicos franciscanismos de Natureza e reverentes Magos...



Para além, de tudo isto – dizia –, que vem entretecendo há séculos a Memória, a História, a Poética, a Filosofia, a Teologia e a Fé no mais profundo sentido redentor do Nascimento do  Menino-Deus (“mensageiro dum Deus universal”), bem lembrado (“Nas ondas do mar de Inverno”), como utópica, angustiada e comovidamente escreveram Aquilino e Nemésio, – talvez que este Natal possa e consiga, apesar de tudo, guardar e reflectir renovadamente todas as coisas e seres, com o Espírito daquela Luz que se abriu e manifestou como Espera ou Estrela de Redenção – oprimida mas resistente ainda a Terra perante o mundo iconoclasta, cruel e injusto que a cegou e continua escurecendo… –, para  que também tudo possa vir a ser redimido e salvo dos sacrifícios e sofrimentos, mitos, injustiças e violências, pecados ou esquecimentos do próprio Homem. 


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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.12.2012).
Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 22.12.2012).



sexta-feira, dezembro 14, 2012

A Cultura do Refugo



Sem ser necessário recorrer às sugestivas propostas de Italo Calvino sobre as virtualidades múltiplas de um regular convívio, ou, pelos menos, de um periódico retorno à leitura dos chamados Clássicos … – tanto dos Antigos como dos Modernos e dos Contemporâneos, sejam eles do Pensamento e da Literatura Universal ou apenas da circunscrita Cultura Portuguesa (ou em Língua Portuguesa) que de tal estatuto plenamente forem dignos segundo minimamente exigentes cânones formais, materiais e estilísticos, e conformes ao exercício lúdico, reflexivo e histórico-hermenêutico da prática da Leitura, evidentemente… –, a verdade é que nada haverá de tão proveitoso (mesmo que dramático ou hilariante…) como dirigirmos hoje o nosso atento e informado olhar crítico para comparar a realidade circundante com o que está guardado (mas suficientemente disponível e vivo!) em muitas e tão ricas páginas do verdadeiro património memorial e imaginário de tantos Livros, Revistas e Jornais...

– Ora é novamente para este tema e para aquilo tudo que nele está ainda fundamentalmente em confluente questão, enquanto e na medida em que a sua mesma problemática entronca na Filosofia da Cultura e na Teoria Social, que se dirige a obra A Civilização do Espetáculo (Lisboa, Quetzal, 2012), de Mario Vargas Lhosa, que acaba de ser editada em Portugal.

Ali, como entendida pelo escritor peruano – Nobel da Literatura (2010), político de centro-direita e novel marquês (título hereditário que lhe foi concedido, em 2011, pelo rei de Espanha) … –, é feita uma acerba crítica à banalização global das artes e da literatura, ao triunfo do jornalismo sensacionalista, à frivolidade da política e ao desvirtuamento da Cultura como consciência da realidade e forma de autoconhecimento...


– E a essas decadentes formas e figuras de distracção alienada e de entretenimento alienante, opõe precisamente Vargas Lhosa os notáveis exemplos de Walter Benjamin e de Karl Popper, depois de ter perspectivado a sua própria reflexão pessoal face às posições, conquanto diferenciadamente aduzidas, de T. S. Eliot, George Steiner, Guy Debord, Gilles Lipovetski, Jean Serroy e Frédéric Martel …

Não há dúvida que este livro tem pertinência, neste advento de novas amarguras culturais, socioculturais, educativas e científicas no refugo circense, mediático e trágico-cómico em que se tornou a contumaz choldra nacional (já justamente zurzida pelo nosso clássico Eça, porém às vezes tão esquecida por alguns zelosos amanuenses institucionais e obscuros políticos…), ali mesmo com as tuteladas abas dos seus mediáticos sombreiros viradas para o mais que fosco vidro da sua indisfarçável mediocridade, incoerência, pressurosa submissão e infame cobardia!

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sábado, dezembro 08, 2012


As lições de Oscar Niemeyer






De entre todas as pioneiras obras concebidas nos anos 40 e seguintes do século XX por Oscar Niemeyer – o grande arquitecto falecido no passado dia 5 de Dezembro (2012) – conta-se o famoso complexo da Pampulha (em Belo Horizonte) que integra a Igreja de São Francisco de Assis (terminada em 1943, mas só canonicamente licenciada e benzida em finais dos anos 50!), uma Casa de Baile, um Iate Clube e um antigo Casino (actual Museu de Arte), – tudo inserido num conjunto arquitectónico concebido e construído em redor de uma límpida lagoa artificial e em harmoniosa convivência com jardins e passeios públicos, pinturas de Cândido Portinari, azulejos de Paulo Werneck e esculturas de Alfredo Ceschiatti, de tal modo que todo aquele projecto, tão modelarmente criativo e inovador, foi mesmo considerado pelo seu autor como inspirador para o posterior e arrojado “início de Brasília” (cidade concebida de raiz pelo urbanista Lúcio Costa e por ele próprio, em 1956, e depois inaugurada, em 1960, pelo presidente Kubitschek, como capital federal do Brasil).




Nascido no Rio de Janeiro (15.12.1907), Oscar Niemeyer, foi indiscutivelmente uma das mais representativas figuras da arquitectura modernista contemporânea, cuja produção estética edificada obedeceu a um geometrismo dinâmico, muito marcado pela predominância monumental de formas arredondadas, pela inserção dos volumes, perspectivas e planos numa envolvência espacial real ou artificiosamente ampla e aberta, pela utilização estilizada e pelo carácter mimético dos motivos geo-ambientais, naturais ou humanos seleccionados.



– Deste modo, todas criações de Niemeyer (também poeta, pensador crítico e etnógrafo…) ficaram marcadas por uma nunca renegada e compósita intencionalidade prática, axiológica, social, ideológica e espiritual, – dialéctica e diversamente assim detectáveis, por exemplo nos traçados do Museu Niemeyer, no Memorial da América Latina, no Palácio da Alvorada, na Sede do Partido Comunista Francês, na Catedral de Brasília, e … em Portugal, no Casino Park Hotel do Funchal, e em três outros projectos ainda engavetados na nossa penúria nacional e no nosso mais do que nominal, afunilado e fatídico subdesenvolvimento crónico: o algarvio Empreendimento Turístico de Pena Furada (1965), a nova sede da fundação Luso-Brasileira, na Quinta dos Alfinetes (1991) e, enfim, o arrojadamente sonhado (por Berta Cabral, honra lhe seja feita!) Museu de Arte Contemporânea de Ponta Delgada (2010), projecto este talvez justificadamente protelado, porém tão incrivelmente incompreendido, ignorado ou esquecido por cá e no País…, até nos mesmos dias em que todo o mundo evocava o desaparecimento e a memória do grande arquitecto brasileiro, resistente político e comunista convicto e coerente!




Sem adiantar aqui e agora mais nada sobre a vida, a personalidade e a obra de Niemeyer – sobre tudo aquilo de que foi símbolo, lenda ou ícone, e sobre os sinais, os olhares e os textos açorianos que com os dele se cruzaram –, lamento hoje apenas o que, nos antípodas das suas leituras teóricas, da sua estética vanguardista e da sua pragmática da Arquitectura, por aí cresce e apodrece, amiúde ainda à sombra de três dos mais insidiosos domínios aonde grassam tantas das nossas recorrentes, medíocres e provincianas mistificações e atentados patrimoniais: a Cultura, a Arte e o Pensamento…

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Publicado em Azores Digital:
RTP-Açores:
e Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 09.12.2012):































Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 08.12.2012).