Igreja e Política nos Açores
durante o Século XX
Diário Insular (DI) – Tem salientado o papel da Igreja na transformação
da sociedade açoriana do Século XX. Como perspectiva essa relação?
Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – O período referido – precisamente
entre o final da década de 40 e a primeira metade dos anos 70 (até ao 25 de
Abril) – constituiu de facto um ciclo histórico-político,
psicossocial, cultural, intelectual e espiritual absolutamente único e decisivo
na evolução da nossa sociedade, tendo sido por isso determinante para a
construção possível da unidade do
Arquipélago e a génese de uma nova
consciência regional açoriana.
– Digo “nova consciência”, apesar
de diferentes configurações axiológicas e societárias se terem verificado em
outros períodos e contextos históricos; porém, nunca como ali se verifica tão
profundamente a tematização e consciencialização dos Açores como comunidade
dotada de personalidade colectiva e
de unidade destinal, para usar a
exemplar formulação filosófica de José Enes.
DI – Onde e como nasceram essas dinâmicas?
EFR – Os centros comuns de
geração e de encontro desse progressivo
e compósito processo reflexivo e
programático regional – onde confluem (em campos, dimensões e carismas
diferentes) várias instituições e movimentos (Seminário de Angra, IAC, Semanas
de Estudo, Cursos de Cristandade, Acção Católica, LIC, JEC e JOC…) –,
encontram-se justamente nos círculos de influência e nos quadros
teórico-práticos da Igreja, da Doutrina Social e do Humanismo próprios do Cristianismo.
– Tudo o resto, no Pensamento e
na Acção locais (inclusive nas esferas da Política, do Associativismo, da
Educação e da Comunicação Social), tanto em termos de projecto de sociedade como de vida
pessoal, assentou, directa ou indirectamente, nessa matriz, com a
subsequente redescoberta, reconfiguração e correlativo entendimento dos sinais
das “realidades terrestres” e da “ordem universal”, que o Vaticano II, a par da
nova ordem mundial nascente, trouxeram até nós…
DI – Nesse contexto, como situa o 25 de Abril de 74?
EFR – … Depois, mas já numa fase de certo declínio, desencanto ou
esgotamento daqueles ideais (em parte
devido à situação política global e à fracassada “primavera marcelista”), foi
só e apenas com algumas daquelas linhas e
categorias (conseguidas umas, frustradas outras…) que chegámos ao 25 de
Abril! Porém, tudo isso, que fora incarnado em pessoas e projectos concretos,
sofre lamentáveis e regressivos adiamentos, bloqueios, desperdícios mentais,
estruturais e institucionais, com intolerâncias, repressões e saneamentos que
provocaram desmotivação, conformismo, cedências ou revolta, apesar das
aspirações e conquistas autonómicas…
Ora com a libertação
revolucionária (e outras arrumações ideológicas, crispações, subalternizações e
enquistamentos partidários de muita gente, saberes e valores…), abriu-se também
a porta a oportunismos, impasses, rupturas e insustentabilidades, com a
agravante terminal de, contemporaneamente, ser até difícil a crença (esperança
ou utopia…) numa Pátria mais justa, livre, desenvolvida e com sentido do
futuro!
– É certo que a culpa formal e
sistémica das nossas múltiplas falências não estará essencialmente na
Democracia e na Autonomia! Todavia, os vigentes modelos, paradigmas e regimes
societários, éticos e culturais, a perpetuarem-se, não garantirão nem a
viabilidade material nem a legitimidade moral da sua (e nossa) sobrevivência,
em moldes livres e dignos, por muito mais tempo…
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(*) Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (25
de Abril de 2013).
Idem
em “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 25.04.2013);
RTP-Açores: