segunda-feira, janeiro 27, 2014



Veneno e inocências nos Açores

com lembranças de Lisboa



Foram as últimas semanas férteis em temas envolvendo novamente e em conjunto os Açores, a FLAD, a Base das Lajes e a Praia da Vitória, em especial por causa de uma súbita e escusada projecção do nosso Arquipélago devido à político-noticiosamente alimentada hipótese (proposta, sugestão ou disponibilização nacional, ainda não perfeitamente esclarecida por ninguém…) da hipotética e vendida ideia da realização, no porto daquela cidade terceirense, de um transbordo de produtos químicos (nomeadamente gás mostarda) vindos do Médio Oriente (Síria), que foram, ou seriam, utilizados e utilizáveis como armas e que agora serão sujeitos, num navio americano (o “MV Cape Ray”) especialmente preparado para esse efeito, a um processo de tratamento técnico-laboratorial (hidrólise) antes de serem, pelos menos alguns deles, incinerados na Alemanha (detentora, tal como a Rússia, o Canadá e os EUA, de capacidade para tal, embora outros países também a possuam…).

– Todavia permanecem pouco definidos a rota, o destino e o processamento finais de todos esses produtos e seus efluentes (depois de tratados), conforme qualquer cidadão atento poderá livremente acompanhar e avaliar – por exemplo na acessível página da OPCW (Organização para a Proibição de Armas Químicas), em http://www.opcw.org/ – sem ter de deixar-se levar por propagandas mais ou menos insidiosas, arenosas camuflagens de interesses ou supostamente sofisticadas análises de alguns ditos e encartados “especialistas” em (des)informação disto e daquilo…

E é assim que também começaram a ser quantificadas as verbas financeiras envolvidas no “Syria Trust Fund” (conforme já aqui referimos) e as ajudas e facilidades logísticas concedidas pelos vários países envolvidos nesta operação das Nações Unidas (nomeadamente a Itália, que acabou por ceder, para o pretendido transbordo, o seu porto de Gioia Tauro, depois de ter contribuído com 3 Milhões de Euros para aquele Fundo e de ter disponibilizado um avião militar para transporte da primeira equipa de inspectores da OPCW que se deslocou à Síria…

– De resto, ainda por essa possível via, talvez não seja descabido, lendo nos interstícios e embaraços de fala e nos engulhos portuguesinhos de Rui Machete, achar por lá uma lingueta de explicação para a atitude – não sei se metediça, se voluntariosa, se interesseira, se apenas generosa de Portugal… – ao oferecer os Açores (e não poderia ter-se oferecido Sines, Leixões ou o Alfeite, que ficam mais perto da Alemanha? …), para o tão “seguro” transbordo dos ditos químicos!



Mas é claro que cada um oferece ou troca, vende ou abre o que quer ou tem, ou julga ter, à mão e ao pé de semear (neste caso, mais longe…) da porta ou do quintal da continental casa portuguesa, quando não mesmo ao lado de outras canadas, cancelas e quejandas que muita servidão historicamente deram – ou não fossem as ilhas as tais famosas e serviçais “poldras” do Atlântico … – para os jardins da FLAD (que Rui Machete muito bem conhece e onde foi grande senhor…, rodado político, gestor e investidor que é, questões à parte de um qualquer quid pro quo que às vezes parece ter com os Açores, com Açorianos e até, veja-se lá, com os próprios Americanos)…


– E se dos nossos aliados e hóspedes na Base das Lajes não será preciso tornar a lembrar aqui o que do actual MNE de Passos Coelho e Paulo Portas foi dito pelos seus próprios responsáveis e mais altos agentes diplomáticos, o que não vem directamente ao caso, nem por isso podemos deixar de recordar, porque menos divulgado, no contexto de todo um largo pano de fundo que envolve a FLAD, o quase diferendo que, em 2009, nasceu entre Mota Amaral e Rui Machete quando aquele líder histórico açoriano e social-democrata, antigo Presidente do Governo Regional e ex-Presidente da Assembleia da República, questionou o Governo central sobre a polémica participação  da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento no Banco Privado Português (BPP), procurando apurar, num Requerimento também assinado por Joaquim Ponte, se, em caso de falência desse Banco, com a consequente perda de valores pelos respectivos accionistas (entre os quais se contava a FLAD), correria esta Fundação algum risco.



Assim, ainda a este mesmo propósito – como pode ser relido em http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1284854&especial=Caso+BPP&seccao=ECONOMIA – Mota Amaral dizia claramente, o seguinte: “Os capitais da FLAD – oriundos de verbas entregues pelo governo dos EUA ao abrigo do acordo sobre a concessão de facilidades militares nos Açores – estão assim ameaçados de redução, agravando as perdas derivadas da queda dos mercados financeiros internacionais", conforme noticiava então o “Diário de Notícias” que, por seu lado, acrescentava estarem os deputados açorianos “essencialmente preocupados com uma eventual redução nos programas da FLAD já previstos para a região”…


Ora evidentemente que tudo isto, e muito mais, andará sempre muito por aí presente na memória dos OCS (mas nem tanto nas manchetes e alarmes da velha e fadistinha Lisboa…) – com destaque, verdade seja dita, para o discernimento crítico dos editorialistas e colunistas açorianos, a par de alguns discursos e textos político-parlamentares bem mais prudentes do que certas inocências, bondades ou ignorâncias governamentais e autárquicas insulares actuais, demasiadas vezes já a cair em esparrelas ou pressurosas ingenuidades a descoberto…

E para terminar por hoje quanto à preciosa FLAD, o que neste ensejo vivamente recomendo aos colegas académicos, aos nossos moços e modernaços políticos e aos velhos e antigos politiqueiros nacionais e regionais, é que ao menos revejam e apreendam tudo o que consta daquele que é talvez o melhor documentário televisivo (feito em 2007, para a RTP-Açores, pela jornalista Isabel Gomes) sobre aquela tão controvertida Fundação, conforme está disponível para proveitosa, ainda actual e elucidativa visualização, em três sequências reproduzíveis a partir de http://www.youtube.com/watch?v=IfzBQLQdyXs#t=188:

– Muitas caras e descaradas máscaras (des)conhecidas ali estarão por certo para comprovação de tudo aquilo que escrevemos e que todos deveremos continuar a ter em conta para defesa dos Açores (e talvez, no fundo, igualmente para maior prestígio de Portugal junto dos nossos amigos e aliados internacionais, sem cairmos em logros nem nos deixarmos iludir, inocente ou levianamente, pelas cantigas e envenenadas areias que amiúde nos atiram aos ouvidos (surdos?) e aos olhos (míopes?) e cansados…

Entretanto foi competentemente confirmada a constitucionalidade do Decreto n.º 24/2013, ficando aberta “a via” para o PS e o Governo Regional prosseguirem, sem entraves legais, as suas sancionadas e orçamentadas pragmáticas, podendo assim ambos clamar vitória e capitalizar o que não ficará sem reinvestimento a decoroso tempo… Mas antes assim, pois deste modo ao menos, como corre, a verba suplementar não irá para projectos falidos, negócios e investimentos ruinosos, subsídios viciados, favoritismos de administração para “boys & girls”, foguetórios-propaganda, inenarráveis jogatinas de economia, gestão, financiamento, cultura de sardinhada e outras superavitárias favas em arraial, com molho de unha e cerveja a capote!

– Todavia – pese o precaucional passo intermédio, afinal proveitosa e a contrario dado pelo Representante da República e que, devendo ter sido acolhido com senso e serenidade, logo descaiu em mesclada controvérsia e arremetidas contra a própria existência da figura (abdicando-se até de um outrossim consequente acometimento à governação PSD-CDS/PP/Troika) –, agora subiram de tom indistintas retóricas, conquanto se tenha vindo, ainda à outrance, a comprovar da proficiência mediadora de tão malquisto lugar… E não fosse essa uma relevância moderadora, ou estivessem as respectivas competências ad extra (PR, AR ou TC…), não é difícil imaginar a rota de colisão nacional na qual estaríamos directamente metidos, a menos que, por extensão secessionista, não se quisesse (ou não se queira) acatar nenhum órgão ou instância unitariamente fiscalizadora última da Autonomia, tendo as ilhas – mas isso é outra agenda-guião… –, à revelia do modelo de Estado vigorante, Estatuto (quase ou mesmo) equivalente, enquanto quadro jurídico fundamental, à própria Constituição da República!


Porém hoje, ultrapassado este operático e distorcido imbróglio (que está gerando previsíveis ou sabidamente concertadas mobilizações e cesuras contra-constitucionais), o que resta é governar os Açores, com ponderação, justiça, racionalidade e verdade, até porque, rareando por cá (e por lá ainda mais!) muitos destes parâmetros, não será por culpa da Constituição e/ou do Estatuto que eles não estão salvaguardados nas governanças que suportamos, nem (ainda menos) na cultura do quotidiano vivido, penhorada que está a Região à letra, à palavra e ao espírito de um tal (esquecido?) Memorando de Entendimento assinado a 2 de Agosto 2012, onde – no respectivo § 7 –, entre outros compromissos firmados pelo Governo Regional dos Açores (GRA) e dados como garantia para a contracção de um empréstimo da ordem efectiva dos 135 Milhões de Euros (montante eventualmente extensivo aos 185 Milhões!), ficou bem assente o seguinte:

– “Durante a vigência do presente Memorando, o GRA compromete-se a aplicar (…) todas as medidas previstas em Lei do Orçamento do Estado, que respeitem, direta ou indiretamente, a quaisquer remunerações dos trabalhadores em funções públicas, bem como aos demais trabalhadores do Sector Público Empresarial Regional, comprometendo-se ainda a não aplicar medidas compensatórias que visem aumentar os níveis de despesa projetada em resultado daquelas medidas”…


Claro que se pôde argumentar que a global “despesa projectada” se mantém ainda no caso corrente; e todavia, como a gestão interna do “bolo financeiro” açoriano é sempre político-programática, teria sido mesmo por aí que haveria de ter-se começado a demarcação dos méritos, critérios e prioridades governamentais do PS, sem prejuízo da mais insuspeita, prevenida e pacífica preservação da respectiva e estrita constitucionalidade, como foi feito! Mas por isso mesmo é que, apurada, felizmente pela positiva, essa vertente do Orçamento Regional para 2014, permanece ainda politicamente discutível todo o seu restante conteúdo.
_______________________

Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 25.01.2014):

















 "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.01.2014):



´













e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2522:



sábado, janeiro 25, 2014


Os Animais de Ulisses


Jean-Léon Gérôme, “Diogène” (1860)

Após anos a observar rendas escorrendo noutras gaiolas e tertúlias, acaba a Associação Amigos dos Animais da Ilha Terceira de ver justamente reconhecidos pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo alguns nobres propósitos seus, que nunca dantes mereceram consentâneo apoio.

– E assim tão louváveis gestos e respectivas mediatizações mais propiciaram urgente chamada de atenção para complexas e interligadas questões psicossociais, culturais, político-jurídicas, filosóficas, técnico-científicas e ecológicas que integram não só a chamada Causa Animal quanto a realidade crua, diariamente constatada, do degradante modo como animais domésticos são tratados entre nós, aumentando constantes abandonos e pungentes e quase inimagináveis “maus tratos por toda a ilha”...,  factos que aliás reclamam outras e mais moralizadoras medidas!


 De resto, não fosse suficiente ver pessoalmente essas recorrentes e dramáticas barbaridades, bastaria consultar as redes sociais, que tão aviltantes e sintomáticos actos denunciam, para aferir dos níveis de desumanização ou regressão embrutecedora onde caímos, e dos quais (in)conscientemente toda a sociedade, directa ou indirectamente, é sujeito activo ou cúmplice passivo…



Ora sabendo-se que tudo isto, sem sofismas nem subterfúgios, é revelador do grau de subdesenvolvimento ou decadência civilizacional historicamente atingíveis por comunidades com tipologias comportamentais, economias emocionais e paradigmas imaginários, axiológicos, racionais e espirituais oscilantes – quando não patológicos –, vale lembrar, como dizia Jeffrey M. Masson ao estudar o mundo das emoções dos animais domésticos, que “devemos a nós mesmos, aos animais que domesticámos e às gerações futuras” uma profunda e ordenada mudança de pontos de vista e do agir pessoal e colectivo, de modo a procurarmos minorar, no que estiver ao nosso alcance, o peso total da crueldade, do sofrimento e da dor na Terra que gerou todos os sistemas e formas de Vida, Psiquismo e Consciência que nos envolvem e dos quais somos uma das partes constituintes!


– Recordando que foi o animal Argos aquele que primeiro reconheceu o homem Ulisses – “só que já não tinha força para se aproximar do dono”/ “ [que] olhou para o lado e limpou uma lágrima” (*) …–, como esperar porém que quem nem sequer se indigna já, e não rejeita a maior desumanização dos humanos, se insurja depois contra a violência sobre os animais?
____________

(*) Cf. Homero, Odisseia, Canto XVII. Trad. Frederico Lourenço.
_________________

Azores Digital:



















RTP-Açores:























“Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 28.01.2014):



















Outra versão:
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 25.01.2014):


terça-feira, janeiro 21, 2014


Olhos e areia na Praia da Vitória
sob ventos e marés da FLAD

Por ocasião do II Fórum Roosevelt, promovido pela FLAD em 2010, no discurso ao Plenário que decorreu a 15 de Abril na Praia da Vitória, o seu principal responsável, meritório organizador e efectivo coordenador – Mário Mesquita – teve a sinceridade e nobre gentileza de confessar (nomeando-me de surpresa e publicamente) que aquela sessão sobre “As relações transatlânticas e os equilíbrios internacionais emergentes” ocorria precisamente ali devido a um crítico reparo feito no meu artigo “Os Senadores e as Poldras do Atlântico”, publicado anos antes (25.07.2008), e onde, apreciando os modelos projectados para tal tipo de encontros, sublinhei esperar-se – “certamente”! – que a Praia da Vitória não fosse esquecida e justificadamente figurasse de modo visível no Fórum seguinte; o que de facto aconteceu!


– Ora vem esta memória a respeito da diligente proposta, aprovada em 16 de Janeiro, que o deputado Aníbal Pires (PCP) levou à ALRAA, exigindo que a FLAD – criada, como é sabido, à sombra financeira e diplomática das Lajes mas desde sempre palacianamente sedeada em Lisboa – abrisse uma delegação ou sucursal nos Açores, mais precisamente na Praia da Vitória….

E vai daí, os partidos, com destaque para o PSD e o PS, surfando a maré fladista em cavadela, logo vieram à liça, qual deles o mais inspirado, subscrevendo e cobrindo o oportuno lance do PCP com tal aparato tribunício e destreza reivindicativa que certas notícias quase nem deixavam perceber de quem partira a concretização de tal ideia que – não sendo nova nem modelarmente consensual – nunca fora formalmente levada a tão alta e significativa reclamação …

– É claro que nada nos garante (como se pressentiu) que a proposta do PCP, que agora passa a ser do próprio Parlamento açoriano, venha a ter concretização cabal, muito menos nos moldes e para os fins idealizados por alguns líderes partidários locais, até porque o seu estatuto, duvidosa estatura e rodopiante credibilidade, com antecedentes de (in)conveniência (reveja-se aquele famoso “Relatório” que ficará para a posteridade como patético relambório e paradigmático testamento sobre a Base das Lajes), –  arremessos ardilosos e recorrentes despautérios que deram aos olhos de todos a mais desabonatória e areada imagem que desta terra imaginar se podia ver (desperdiçada), e aos quais também aqui fiz várias referências nos finais de Janeiro do ano passado, acentuando então, a  dado passo, o seguinte:

“Ora, independentemente daquilo que sobre tal ilustrado rebento municipal terá de ser posteriormente dito, mas porque se trata de reais imagens e imediatos interesses nossos (açorianos e portugueses!), não posso deixar de confessar ter sido com um misto de vergonha e de indignação que li semelhante e suposto “Relatório”, para mais numa altura histórico-diplomática e com um destino negocial, estratégico e de soberania que, ainda por cima, lhe pretenderam e pretenderão dar…

 

“ – Bem sei (calculo...) que o dito “Relatório” não fará propriamente História (embora talvez provoque alguma mossa conjuntural, ou suscite dobradas e piedosas risotas historicamente humilhantes para todos nós!). Todavia, e para além disso, que aquelas espantosas letras e folhas hão-de certamente ficar para a contemporânea história local dos Açores (e de Portugal no seu todo, desde a mais humilde freguesia à mais científica e distinta Academia…), como um datado e pequeno monumento (significante na sua insignificância…)  à menoridade, à irresponsabilidade e ao nosso comprometedor e degradante retrocesso político, institucional, social, cultural e mental –, lá disso não haverá a mínima dúvida!”…

Porém, hoje, não posso deixar de terminar esta Crónica sem uma outra palavra final, de maior louvor esta, para João Ormonde, representante da Comissão de Trabalhadores da Base das Lajes, que tão dignamente se firmou e afirmou em Lisboa, junto de sindicatos solidários, de partidos diversamente vigilantes e dos balofos e arrogantes senhorios (provisórios) dos destinos do nosso pobre e subjugado País, aonde, como nos tempos de Eça, a alegada ciência de governar se tornou “uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse”!
_____________

Publicado em "Diário dos Açores" 
(Ponta Delgada, 22 de Janeiro de 2014):



Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2519:


Primeira versão publicada em "Diário Insular" 
(Angra do Heroísmo, 18 de Janeiro de 2014):



sexta-feira, janeiro 17, 2014


Os Açores e as Manobras de Risco

Com o título jornalístico “Os Açores nunca beneficiaram acoitando manobras de risco”, foi publicada em simultâneo (17.01.2014) nos jornais “Diário Insular” (Angra do Heroísmo) e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada) a Entrevista cujo texto aqui reproduzimos integralmente, com as respectivas perguntas e respostas:


– Há cerca de 30 anos, denunciou publicamente um plano para criar um Cemitério Nuclear junto aos Açores. Recorda-se desse projecto?

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Perfeitamente! Esse imprudente plano europeu, político-territorialmente intrusivo, juridicamente afrontoso, técnica e ecologicamente perigoso e potencialmente mortífero, conforme tive ocasião de abordar (29.06 e 07.10.1982 e em 26.09.1983), consistia na tentativa de criação de uma “lixeira para contentores” de matéria radioactiva, restos ou detritos de núcleo-fusão, em plataformas submarinas entre os Açores e a Madeira.

– O risco de tais operações era (e é!) enorme, devido à possibilidade de degradação (“leaking”) dos materiais selados em fundos vulcânicos activos, conforme expedições de Jacques Cousteau já haviam constatado e entre nós também fora salientado pelo Prof. Vasco Garcia.

O caso mereceu destaque nos OCS, tanto mais quanto era revelado pela Greenpeace que o navio britânico “Discovery”, que andara realizando pesquisas junto à Madeira para o “Seabed Working Group”, já estaria rumando ao nosso arquipélago com vista à localização de “lugares geologicamente estáveis para depositar resíduos nucleares”…

– E como reagiram os responsáveis açorianos?

EFR – No Parlamento reagiu-se aligeiradamente, mas no Governo, então presidido por Mota Amaral, a reacção foi pronta, firme, competente e exemplar, com responsabilidade, lucidez institucional, sentido da governação autonómica e de Estado!

– Recordo a sua determinação, atendendo à Convenção de Londres, em apresentar uma proposta a Lisboa no sentido de serem promovidas urgentes diligências junto da comunidade internacional, com vista a ser interdita do depósito de detritos radioactivos no Atlântico.

Tratou-se, sem dúvida, de uma clarividente e digna atitude, que aliás granjeou consenso e apoio unânime na Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa (reunida no Porto), tal como motivaria um notável discurso – que lembro com apreço e louvor – ético-político e patriótico de Mota Amaral, numa reunião interparlamentar promovida em Ponta Delgada pela Fundação Friedrich Naumann.


– Que comparações faz entre esse caso e o falado transbordo de armas químicas na Terceira (Praia da Vitória)?

EFR – Vejo diferenças e semelhanças no tipo de materiais em causa; género (pre)visível e parcialmente conhecido da operação (transbordo para reprocessamento em navio, destruição laboratorial ou reaproveitamento, e não “dumping” em fundos marinhos); envolvimento alargado, legislado e tecnicamente experimentado (ONU, OPAQ, NATO, Rússia, China, Noruega, Dinamarca, EUA…); proveniência geográfica, rota e destinos (Médio Oriente-Mediterrâneo-Atlântico-Europa e eventualmente EUA); informação mais detalhada aos países envolvidos e/ou a (não) envolver, nomeadamente, para além dos referidos, Itália e Portugal; finalmente, afirmações e protagonismos apressados, prematuramente publicitados, extemporâneos portanto, em tom demasiado condescendente (quando não servil, comparando-o com a postura da pequena Sardenha…), pouco reservado ou impensado por parte de entidades governamentais, para-governamentais e autárquicas (estas últimas tão levianas e ridículas nos seus irresponsáveis juízos que nem comentário merecem!) …

– E ainda: disponibilização e prestabilidade de facilidades para eventuais operações que envolvem riscos regionais e segurança ambiental, talvez sem adequado domínio técnico-científico, soberano acompanhamento político-diplomático e logístico-militar e pelas nossas Forças Armadas...

Todavia, repetem-se reservas e interrogações:

– Que estará verdadeiramente em causa e andamento neste tipo de hipotéticas ou simuladas acções (que não servem os Açores!), e qual o efectivo desempenho e contrapartidas que Portugal esperaria ter, ou vir a colher, do nosso envolvimento nas mesmas, anotando-se, por outro lado até, que num depoimento do embaixador Martins da Cruz à RDP nem se ouviu a palavra “Açores”, enquanto segundo as driblas do MNE nada destas manobras teria a ver com acordos ligados às Lajes e/ou à Terceira, para onde ou por onde já antes talvez tenham sido transportados e circulado armas ou produtos tão letais, dissimulados e negociáveis como os que agora deixaram a Síria, e cuja remoção (sem somar o transporte dos stocks) custará entre 47 a 61 milhões de dólares…
______________________
Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.01.2014):

Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 17.01.2014):

Idem em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2517:

e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=35062&visual=9&layout=17&tm=41:


sexta-feira, janeiro 10, 2014


O Direito e os Avessos Políticos


Entre nós andam por aí ânimos, argumentos e pareceres alegadamente jurídico-constitucionais e político-jurídicos mais ou menos técnica e passionalmente urdidos e vocalizados, a par de alguns outros lúcidos e objectivos juízos de facto e de valor em concorrência avançada ou avençada, e ao lado ainda de muitos e muito mais mediatizados discursos – corais, em coro e orquestra, à capela ou somente a solo – de denunciados juízes em causa própria, mesmo quando esta se afigura de pouco ou nenhum Direito e/ou avessa à Justiça, numa espécie de intencional, autista, míope ou incauta desagregação de uma série – interligada e grave – de factores e valores de ordem ético-social, político-moral e até – diga-se sem receio nem disfarce… – político-ideológica, político-programática e político-institucional!


 – E tudo isto, veja-se lá, por causa da formalmente legítima, juridicamente relevante e materialmente justificável submissão “à apreciação do Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, [d]as disposições normativas conjugadas do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 43º do Decreto n.º 24/2013 da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, que aprova o Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o Ano de 2014”, conforme se lê no respectivo texto integralmente disponível para leitura e apreciação pública na página do Gabinete do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores (RRA)  em http://www.representantedarepublica-acores.pt/LinkClick.aspx?fileticket=LT3--OAwXzA%3d&tabid=83&mid=569).


Todavia, ao contrário do que quase unanimemente a nossa regional classe político-parlamentar, o nosso escol técnico-jurídico e as nossas hostes político-partidárias locais tem repetido em cadeia – além de em nada indevida nem “desconforme” ao que quer, ou não se queira, que seja (conquanto discutível mas, isso sim, noutros alternativos e por enquanto inexistentes pressupostos da Lei Fundamental, de Filosofia e Organização do Estado, de Estatuto das Autonomias Regionais, etc., no quadro constitucional vigente…) – , esta medida do RRA, ou seja o tão disputado documento enviado para o Tribunal Constitucional (órgão do Estado tão benquisto por outros, quando não pelo mesmos, todavia para diferentes, vários e patrióticos interesses, ou políticos e soberanos efeitos nacionais…), também já mereceu algumas leituras mais serenas, objectivas e até substancialmente críticas, atendendo-se nelas a toda uma distinta perspectiva de razões sociais e éticas (como, por exemplo, aquelas que em pouca retransmitida Entrevista ao “Açoriano Oriental” de 5 de Janeiro corrente foram expostas pelo Padre Weber Machado) …

Por outro lado e a título de convite (ou mote…) para mais reflexão, atenda-se hoje a esta subtil passagem do documento emanado do gabinete do Representante da República, comparando-a a seguir com a expandida por Bacelar Gouveia (que citamos com o texto do “Público” de ontem, 10 de Janeiro):

– A primeira diz assim:

«A disciplina jurídica estabelecida pelo artigo 43º do Decreto n.º 24/2013 da Assembleia Legislativa Regional transforma radicalmente a finalidade e o conteúdo do regime até agora vigente da “remuneração complementar regional” – mantendo embora a designação original vinda do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A. Partindo de um instituto que – num contexto económico e financeiro radicalmente diverso do atual, e que eventualmente se estribava ainda numa ideia de compensação de alguns sobrecustos derivados da insularidade –, constituía uma forma de apoio social e, nesse sentido, era aplicável degressivamente apenas às remunerações mais baixas dos trabalhadores das administrações públicas regional e local açorianas – numa certa sintonia axiológica, aliás, com os seus congéneres “acréscimo regional à remuneração mínima” e “complemento regional de pensão” –, pretende agora a Assembleia Legislativa Regional evoluir para um instituto cujo objetivo precípuo é o de anular ou neutralizar significativamente os efeitos das reduções salariais decorrentes do Orçamento de Estado para 2014» …

– A segunda contrapõe-se deste modo, segundo a abordagem e tratamento textual do jornal que transcrevemos:

«Bacelar Gouveia rebate de forma contundente a concepção ‘estatocêntrica’ de Pedro Catarino sobre a autonomia. E adverte que ninguém se deve ‘deixar impressionar por tão prolixo’ requerimento que ‘não consegue esconder uma única argumentação de fundo existente, não obstante o desejo inconfessado de hiperbolizar a existência de múltiplas e graves inconstitucionalidades’.

«Contrariando a ‘distorcida perspectiva’ do representante da República nos Açores, criticado por fazer citação ‘gravemente descontextualizada’ da jurisprudência do Tribunal Constitucional, Gouveia garante que o questionado artigo do decreto orçamental ‘não viola qualquer princípio da proibição das valorizações remuneratórias porque o mesmo não se afigura aplicável às Regiões Autónomas, nem sequer se relaciona com prestações sociais ali em causa, pois que se relaciona com remunerações do trabalho, as quais se revestem de uma lógica diferente’. Nem também viola qualquer reserva de legislação nacional parlamentar imperativa, porque a matéria em causa ‘não tem que ver com as remunerações dos funcionários públicos em geral, mas está antes relacionada com uma compensação de segurança e solidariedade social e de superação dos custos da insularidade, o que está na margem de liberdade regional decidir’» …


– Mas seja como for, aguardemos o desenrolar deste caso, enquanto vamos acompanhando o desenrolar dos promissores, instrutivos e precaucionais confrontos entre os Pareceres do Senhor Embaixador Pedro Catarino e os demais estudos contra-argumentativos e fundantes encomendados aos gabinetes dos constitucionalistas Paz Ferreira, Rui Medeiros (Sérvulo & Associados) e Bacelar Gouveia…

Porém voltaremos ao tema, que bem apaixonante e merecedor disso se nos afigura, de todos os pontos de vista!
_____________________

Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 11. 01. 2014):


Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2512:


















RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10:





















Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 11.01.2014):




quinta-feira, janeiro 09, 2014


Açores perderam no jogo

de lugares para a FLAD




“Diário Insular” (DI) – Tem acompanhado a problemática da Base das Lajes numa perspectiva multidisciplinar, e recentemente abordou (*) a posição da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) no âmbito das relações Portugal–EUA (*) . Como vê as últimas revelações sobre esta Fundação e os Açores?

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Creio estar a referir-se às escolhas para os órgãos sociais da Fundação, questão controversa e que pode resumir-se a isto (ladeando naturalmente o jogo de interesses político-partidários, estratégico-diplomáticos, pessoais e outros ali envolvidos e que não vem ao caso retomar (como colaterais e putativas agências e sociedades; o CPPC – Centro Português para a Cooperação, que integrou Marques Mendes, Ângelo Correia, Vasco Rato, Júlio Castro Caldas e outras destacadas figuras do PSD; a Loja “Mozart”, o IPRI, o IPRIS, etc.):

– A Região pretendia um representante formal, ou alguém que informalmente assegurasse, por via de uma “especial ligação” ao Arquipélago, a representação efectiva dos Açores no Conselho Executivo (CE) da FLAD, embora anteriormente tivessem estado açorianos (Mário Mesquita e Vasco Pereira da Costa) em vários dos seus órgãos.

Ora com o afastamento da ex-ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues (então nomeada por José Sócrates) e sua substituição na presidência da FLAD por Vasco Rato (escolha directa de Passos Coelho), ficando entretanto imprecisa (insegura?) a posição de Mário Mesquita e surgindo a indigitação de Miguel Monjardino…

DI – …para que lugar e nomeado por quem?

EFR – …designado e convidado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, mas para o Conselho de Curadores, provavelmente com acordo tácito do Governo Regional, porém talvez sem atempada percepção, por parte dos Açores, das dinâmicas ali impostas, tanto mais quanto a posição de Mário Mesquita acabaria por oscilar, indefinida e despromovida no seio da Fundação, até finalmente este açoriano integrar o seu Conselho de Administração, mas não o Conselho Executivo (onde estivera antes, liderando com dinamismo e reconhecido mérito as áreas de Humanidades, Cultura e Artes, e o Programa Açores da FLAD).

– De resto, uma leitura atenta (desde início bem previsível…) dos contornos e percursos deste caso na Assembleia Regional e em Lisboa apontaria indubitavelmente nesse sentido…

Todavia recorde-se ainda o sintomático remate – duvidoso para os Açores e não só…– de Ângelo Correia ao “Expresso” (a propósito da opção Rato: “É uma solução boa para o primeiro-ministro, boa para o próprio, boa para os Estados Unidos e boa para Portugal"), sem deixarmos nós de suspeitar que por ali andou ainda a ressabiada mão do velho Rui Machete, dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa (quando não até Finanças) da governação central do PSD/CDS-PP…


DI – Como explica o repúdio unânime e suprapartidário na ALRA face à não integração do açoriano (socialista) Mário Mesquita no Conselho Executivo da FLAD?

EFR – Tal confluente reacção pode compreender-se, tanto à luz das actuais e concertadas diligências açorianas de Vasco Cordeiro e Duarte Freitas (com vista a tentar minorar o impacto negativo da progressiva desactivação ou da reconversão técnico-operacional e tecnológico-militar em marcha na Base das Lajes), quanto devido ao granjeado prestígio de Mário Mesquita e ao reconhecimento daquilo que, também através da FLAD, a sua valorizadora consciência e consensual entendimento prático da importância dos Açores poderiam continuar, directa ou indirectamente, a contribuir para o desenvolvimento desta Região Autónoma, que – postas as coisas no pé em que estão – sai novamente a perder neste complexo jogo, apesar das qualificações de Miguel Monjardino na área da geoestratégia e das relações internacionais!

Só que a problemática histórico-política e societária global dos Açores, a cooperação portuguesa com os EUA e a utilidade da FLAD (criada à sombra financeira das Lajes) permanecem muito para além disso…
______

RTP- Açores:
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 30.11.2013),
e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 03.12.2013).
________________________________________


Texto integral da Entrevista concedida ao jornal “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 09.01.2014) e reproduzida no jornal "Diário dos Açores"(Ponta Delgada, 10.01.2014).

Idem em RTP-Açores:

















e Azores Digital: