sexta-feira, janeiro 17, 2014


Os Açores e as Manobras de Risco

Com o título jornalístico “Os Açores nunca beneficiaram acoitando manobras de risco”, foi publicada em simultâneo (17.01.2014) nos jornais “Diário Insular” (Angra do Heroísmo) e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada) a Entrevista cujo texto aqui reproduzimos integralmente, com as respectivas perguntas e respostas:


– Há cerca de 30 anos, denunciou publicamente um plano para criar um Cemitério Nuclear junto aos Açores. Recorda-se desse projecto?

Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Perfeitamente! Esse imprudente plano europeu, político-territorialmente intrusivo, juridicamente afrontoso, técnica e ecologicamente perigoso e potencialmente mortífero, conforme tive ocasião de abordar (29.06 e 07.10.1982 e em 26.09.1983), consistia na tentativa de criação de uma “lixeira para contentores” de matéria radioactiva, restos ou detritos de núcleo-fusão, em plataformas submarinas entre os Açores e a Madeira.

– O risco de tais operações era (e é!) enorme, devido à possibilidade de degradação (“leaking”) dos materiais selados em fundos vulcânicos activos, conforme expedições de Jacques Cousteau já haviam constatado e entre nós também fora salientado pelo Prof. Vasco Garcia.

O caso mereceu destaque nos OCS, tanto mais quanto era revelado pela Greenpeace que o navio britânico “Discovery”, que andara realizando pesquisas junto à Madeira para o “Seabed Working Group”, já estaria rumando ao nosso arquipélago com vista à localização de “lugares geologicamente estáveis para depositar resíduos nucleares”…

– E como reagiram os responsáveis açorianos?

EFR – No Parlamento reagiu-se aligeiradamente, mas no Governo, então presidido por Mota Amaral, a reacção foi pronta, firme, competente e exemplar, com responsabilidade, lucidez institucional, sentido da governação autonómica e de Estado!

– Recordo a sua determinação, atendendo à Convenção de Londres, em apresentar uma proposta a Lisboa no sentido de serem promovidas urgentes diligências junto da comunidade internacional, com vista a ser interdita do depósito de detritos radioactivos no Atlântico.

Tratou-se, sem dúvida, de uma clarividente e digna atitude, que aliás granjeou consenso e apoio unânime na Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa (reunida no Porto), tal como motivaria um notável discurso – que lembro com apreço e louvor – ético-político e patriótico de Mota Amaral, numa reunião interparlamentar promovida em Ponta Delgada pela Fundação Friedrich Naumann.


– Que comparações faz entre esse caso e o falado transbordo de armas químicas na Terceira (Praia da Vitória)?

EFR – Vejo diferenças e semelhanças no tipo de materiais em causa; género (pre)visível e parcialmente conhecido da operação (transbordo para reprocessamento em navio, destruição laboratorial ou reaproveitamento, e não “dumping” em fundos marinhos); envolvimento alargado, legislado e tecnicamente experimentado (ONU, OPAQ, NATO, Rússia, China, Noruega, Dinamarca, EUA…); proveniência geográfica, rota e destinos (Médio Oriente-Mediterrâneo-Atlântico-Europa e eventualmente EUA); informação mais detalhada aos países envolvidos e/ou a (não) envolver, nomeadamente, para além dos referidos, Itália e Portugal; finalmente, afirmações e protagonismos apressados, prematuramente publicitados, extemporâneos portanto, em tom demasiado condescendente (quando não servil, comparando-o com a postura da pequena Sardenha…), pouco reservado ou impensado por parte de entidades governamentais, para-governamentais e autárquicas (estas últimas tão levianas e ridículas nos seus irresponsáveis juízos que nem comentário merecem!) …

– E ainda: disponibilização e prestabilidade de facilidades para eventuais operações que envolvem riscos regionais e segurança ambiental, talvez sem adequado domínio técnico-científico, soberano acompanhamento político-diplomático e logístico-militar e pelas nossas Forças Armadas...

Todavia, repetem-se reservas e interrogações:

– Que estará verdadeiramente em causa e andamento neste tipo de hipotéticas ou simuladas acções (que não servem os Açores!), e qual o efectivo desempenho e contrapartidas que Portugal esperaria ter, ou vir a colher, do nosso envolvimento nas mesmas, anotando-se, por outro lado até, que num depoimento do embaixador Martins da Cruz à RDP nem se ouviu a palavra “Açores”, enquanto segundo as driblas do MNE nada destas manobras teria a ver com acordos ligados às Lajes e/ou à Terceira, para onde ou por onde já antes talvez tenham sido transportados e circulado armas ou produtos tão letais, dissimulados e negociáveis como os que agora deixaram a Síria, e cuja remoção (sem somar o transporte dos stocks) custará entre 47 a 61 milhões de dólares…
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Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.01.2014):

Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 17.01.2014):

Idem em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2517:

e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=35062&visual=9&layout=17&tm=41: